Fraternidade e o financiamento dos direitos fundamentais sociais em tempos de calamidade pública de natureza sanitária

Um texto do Excelentíssimo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca e Rafael Campos Soares da Fonseca

Se preferir, ouça este artigo na íntegra no nosso canal no YouTube, é só dar play no vídeo abaixo:

INTRODUÇÃO

O avanço do constitucionalismo e sua compatibilização com a democracia deliberativa representam conquistas recentes e significativas em favor da humanidade. De acordo com Günther Frankenberg, as Constituições possuem dupla função: conferir autoridade a quem deverá decidir por todos de forma vinculante e integrar o corpo social a uma coletividade jurídico-político em que haja coordenação de ações com matiz identitária. Sendo assim, a Constituição como invenção social e expressão histórica não só pressupõe ideias de conflitos sociais, bem como pretende equilibrar controvérsias de distribuição de maneira autoritativa e integrativa.

Nesse cenário, demandas e conflitos distributivistas foram incorporados pela gramática constitucional na medida em que se aposta na possível integração social por intermédio de uma ordem constitucional que reconhece certas controvérsias como essenciais e quais configurações de conflitos são por ela regulamentados.

Sob outra perspectiva, temos visto uma plêiade de filósofos, politólogos, juristas e demais cientistas sociais interessada na reconstrução da fraternidade na condição de norma regulatória da vida pública em prol do bem comum, o que possui reflexos no sistema jurídico.

No esforço de indicar possíveis caminhos de diálogo entre a fraternidade e a necessidade de preservação da atividade financeira do Estado, notadamente no financiamento de direitos fundamentais de conotação social, à luz da estruturação social no Brasil, este estudo versa sobre a inclusão das exigências normativas decorrentes da fraternidade no espaço de justificação do orçamento público. O esforço justifica-se necessário, ante a ambiência de crise sanitária relacionada à pandemia do Covid-19, sobretudo a partir da preocupação dirigida à parcela da população mais vulnerável sob as perspectivas econômica e da saúde pública. Essa razão, por si só, indica o imperativo de homenagear os Organizadores da presente obra pela oportunidade de sua editoração.

Assim, neste diminuto espaço de reflexão acadêmica, pretende-se lançar considerações gerais acerca das implicações políticas e jurídicas de assumir-se a fraternidade como ideal constitucional. Em seguida, pretende-se abordar a instituição jurídica do Orçamento Mínimo Social depreendida da Constituição da República de 1988 e sua importância na tensão entre o ideal de liberdade no orçamento público com aptidão a gerar condições de ação aos governantes eleitos pelos ritos da democracia constitucional e a formulação pelo constitucionalismo brasileiro de garantias ao financiamento de direitos sociais por intermédio de vinculações orçamentárias em nível constitucional. Por fim, será perquirida a efetividade do princípio constitucional da fraternidade no âmbito do financiamento de direitos fundamentais de índole social, tendo em conta as dificuldades postas por situação de calamidade pública, atualmente vivenciada e decorrente de crise sanitária relacionada à pandemia do Covid-19.

PRINCÍPIO JURÍDICO-POLÍTICO DA FRATERNIDADE

Este contributo acadêmico tem como ponto de partida a assertiva de que a ideia de fraternidade tem condições de gerar uma contribuição específica à vida política institucional e ordinária, porquanto sua origem remonta a uma ligação universal entre seres igualmente dignos que tem por resultado um complexo sistema de solidariedade social e atenção aos necessitados, à luz da imperatividade de afirmação da ética pública.

Na condição de categoria política, o ideal fraternal promete refundar a prática democrática, ao compatibilizar o relacionamento entre a igualdade (paridade) e a liberdade (diferença), em prol de uma causa única subjacente ao bem comum da humanidade. Por conseguinte, o conteúdo desse princípio expressa-se pela condição de igualdade entre cidadãos em condições irmanais que sirva de suporte ao desenvolvimento livre de cada qual na sua própria diversidade. Em síntese, a fraternidade consiste em método e teor da política na medida em que deve ser parte constitutiva do processo de tomada de decisões públicas e guia hermenêutico das demais normas em interação dinâmica.

Por seu turno, no bojo do universo jurídico, a fraternidade também é parâmetro normativo de correção da conduta de sujeitos de direito, ou seja, consiste em categoria dotada de normatividade de caráter relacional com aptidão para regular a vida gregária e estabilizar as expectativas sociais no tocante às condutas humanas. Ante essa razão, o ideal fraternal assume centralidade nas operações de fundamentação, legitimação, identificação, qualificação e positivação de direitos fundamentais.

Na qualidade de condicionante normativo-estrutural ao sistema jurídico, o conceito de fraternidade incidente sobre a ordem constitucional implica em valor normativo influente sobre o conteúdo, função e finalidade desta.

De início, as condições sociológicas vinculantes ao Poder Constituinte decorrem de influxos valorativos cujo marco é a dignidade da pessoa humana, uma ideologia constitucional e uma função transformativa da estrutura social a que se rompe na transição de ordens jurídicas, como pôde se verificar na concepção de um constitucionalismo transformativo. Nesses termos, a fraternidade propõe vedações e limites materiais ao conteúdo da Constituição e a própria autodeterminação coletiva de um Povo, sob a perspectiva do republicanismo, assim como formulações e arranjos sociais alternativos em prol de maior isonomia entre os cidadãos e de um bem-estar fraternalmente considerado.

A propósito, há significativa utilidade em uma categoria normativa que indica vias comunicacionais para solução de controvérsias sociais e a gerência comum da vida pública, à luz de valores humanistas como tolerância, compaixão e irmandade. Afinal, tem-se que a transcendência social, política, econômica e jurídica do imaginário fraterno auxilia, ainda, a governança de comunidades parcialmente sobrepostas que compartilham espaço político, decisões e corpo cívico, tendo em conta o componente ético e moral das categorias jurídicas fundamentais.

ORÇAMENTO MÍNIMO SOCIAL, LEGALIDADE ORÇAMENTÁRIA E FINANCIAMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Adotada como premissa de raciocínio a existência de uma Constituição Financeira que reconhece a substancialidade do Direito Financeiro como instrumento promotor de direitos fundamentais que, por sua vez, relaciona-se diretamente com a organização da estrutura de poder e respectivo regime jurídico, é possível concluir que as decisões financeiras da atuação do Estado têm suas raízes na realidade política e na cultura jurídica do Povo.

Nesses termos, o espaço de liberdade do Poder Legislativo na Constituição Financeira é ditado pela legalidade orçamentária, na medida em que se concebe a figura do legislador orçamentário e sua plêiade de liberdades, cuja função para a democracia sobeja em muito uma questão de organização e método orçamentário, pois permite aos representantes eleitos dispor, durante seu mandato, de recursos financeiros para implementar o programa de governo em conformidade com a ordem constitucional vigente.

Logo, as receitas públicas auferidas devem estar à disposição dos governantes periodicamente eleitos para que eles definam, por intermédio da lei orçamentária, quais são as prioridades na realização dos gastos públicos. Isso porque a busca por verbas públicas deve ocorrer às claras e com sustentabilidade na disputa legislativa travada no momento de elaboração, aprovação e fiscalização do orçamento público, de modo a impedir que recursos sejam perenizados ou capturados para além da periodicidade orçamentária.

Com base nessa leitura macroestrutural, torna-se cabível ao jurista que se ocupa do Direito Financeiro refletir sobre os limites à liberdade do legislador orçamentário. O objetivo estatal de assegurar liberdade ao legislador orçamentário perpassa pelo racional de direcionar à arena política a conflituosidade inerente à deliberação periódica sobre as decisões coletivas que envolvem as questões de quem se arrecada, com quem e quanto se gasta e por qual motivo endivida-se. Almeja-se, portanto, que a persecução legítima por recursos não seja definida de forma perene
por intermédio de vinculações normativas, mas através do processo orçamentário no qual a disputa legislativa centra-se na escassez de recursos, apropriação do excedente econômico e reserva do financeiramente possível atinente à atividade financeira do Estado.

Sendo assim, a situação fático-normativa do legislador orçamentário brasileiro distancia-se progressivamente do ideal de liberdade, porquanto tornam-se residuais no ciclo orçamentário as condições de possibilidade de implementação de programas de governos com inovações relevantes quanto às despesas discricionárias, tendo em
conta a rigidez orçamentária.

De todo modo, com previsão no art. 167, IV, da Constituição da República de 1988, o princípio da não-afetação (ou não-consignação ou não-vinculação) de receitas advindas de impostos possui como conteúdo a vedação genérica de vinculação a órgão, fundo ou despesa, com a finalidade de resguardar justamente a liberdade do legislador orçamentário, de maneira a que haja recursos públicos suficientes para que o corpo governante eleito decida sobre as despesas públicas a serem realizadas no curso do mandato.

Com base no pensamento de Fernando Facury Scaff, é possível estabelecer distinções conceituais juridicamente significativas, que, por vezes, são turvadas nos discursos econômicos e políticos, no que diz respeito ao ciclo orçamentário. A vinculação traduz-se em liame normativo entre receitas e despesas públicas, ao passo que a afetação cinge-se em determinar uma finalidade pública à destinação de recursos. Em sentido diverso, quando se trata de Desvinculação das Receitas da União (DRU), o conceito central é a referibilidade das contribuições sociais vertida na
arrecadação de receitas criadas e condicionadas à realização de certas despesas públicas previamente fixadas e próprias do financiamento da Seguridade Social. Por fim, a problemática de flexibilidade do orçamento público reside na conceituação do gasto obrigatório na condição de dever normativo de realizar despesas, independentemente da existência de lastro nas receitas a elas vinculados.

No entanto, o próprio Poder Constituinte excepcionou a norma-regra de não vinculação em decorrência da necessidade de garantir financeiramente a persecução de fins, valores e objetivos constitucionais igualmente relevantes. Diante da pluralidade de bens a serem protegidos, são distintas as prescrições excepcionais estabelecidas originariamente ou agregadas cumulativamente ao texto constitucional.

Na própria dicção do inciso IV do art. 167 da Constituição, constata-se que gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino e ações e serviços públicos de saúde ostentam afetação na ordem constitucional direcionada a todos os entes federativos, os denominados pisos setoriais para efetivação dos direitos sociais.
Esse dispositivo ainda garante que a repartição do produto da arrecadação via os fundos constitucionais de participação dos Estados e Municípios não se submete à regra da não afetação, sob o fundamento de preservação do federalismo fiscal.
Ademais, a solvência da dívida pública pode ser garantida por receitas advindas de impostos em operações de crédito por antecipação de receita orçamentária e empréstimos ou pagamento de débitos dos entes subnacionais ao
governo federal.
Enfim, após o advento da EC 42/2003, passou-se prever no indigitado inciso uma prioridade alocativa de recursos na administração tributária, veiculando interesses do Estado Fiscal e da corporação de servidores encarregados dessa função estatal.

Na redação originária da Constituição Federal, já se previa em seu §5º do art. 218 ser facultado aos Estado e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica, o que abarca, por evidente, a arrecadação de impostos. Com base nessa experiência autorizativa e facultativa, a EC 42/2003 permitiu aos Estados e ao DF vincular 0,5% de sua receita tributária líquida a fundos públicos de fomento à cultura e a programas de apoio à inclusão e promoção social, desde que não direcionado ao serviço da dívida ou à realização de despesas correntes não vinculadas à área ou com pessoal e encargos sociais.
Em outro escopo, a função pública de combate e erradicação da pobreza for contemplada com exceção à regra da não consignação, haja vista que por meio dos arts. 79 a 81 do ADCT criou-se fundo federal de combate à pobreza abastecido com adicional de 5% de IPI sobre produtos supérfluos e arrecadação do Imposto sobre Grande Fortunas.

No âmbito dos estados, municípios e DF, determinou-se a criação de fundos de combate à pobreza com esteio no adicional de 2% de ICMS e de 0,5% de ISS incidente sobre produtos supérfluos.

Observa-se que o financiamento dos direitos fundamentais sociais são alvo de proteção constitucional por intermédio de algumas das vinculações constitucionais orçamentárias na condição de exceções da regra de não afetação. Portanto, na engenharia constitucional, essas vinculações normativas entre receitas e despesas e afetações a finalidades públicas podem ser tomadas como mecanismos de garantia financeira de padrões mínimos de fruição das promessas civilizatórias do Estado moderno, retirando da liberdade de conformação do legislador orçamentário a discricionariedade política pela promoção do conteúdo desses direitos sociais.

A relevância dessas garantias financeiras ao contínuo financiamento de direitos sociais, notadamente nas áreas da saúde e do ensino, foi também acolhida como princípio sensível da Constituição da República, nos termos de seus arts. 34, VII, “e”, e 35, III, haja vista que a aplicação do mínimo da receita resultante de impostos estaduais e municipais é hipótese de intervenções federal nos estados e estadual nos municípios, após a procedência de representação interventiva movida pelo Procurador-Geral da República.

Sendo assim, essas vinculações consistem em garantias de organização de instituições públicas ou garantias institucionais, segundo a terminologia de Carl Schmitt, cujos objetivos são a criação e manutenção de instituições imprescindíveis à sustentação do exercício dos direitos fundamentais em prol dos respectivos titulares, o que demanda grande parte do orçamento estatal.

Na linha de institucionalização dos direitos fundamentais na organização política do Estado, Fernando Facury Scaff concebe a categoria do “orçamento mínimo social” como comando constitucional direcionado ao legislador orçamentário para que este distribua recursos em prol da população mais marginalizada e economicamente hipossuficiente, mediante o financiamento de direitos sociais a partir de fontes previamente estabelecidas em nível constitucional. Com base no conceito de afetação, essa instituição é composta pelos recursos decorrentes dos pisos setoriais de saúde (art. 198, §§2º e 3º c/c 77 do ADCT, CRFB/88) e educação (art. 212, CRFB/88) e pelos fundos de erradicação da pobreza (arts. 79 a 81, ADCT, CRFB/88) e de amparo ao trabalhador (art. 239, §§1º e 3º, CRFB/88), este último atinente a 60% do PIS/PASEP, assim como as contribuições destinadas à promoção da seguridade social(art. 195, CRFB/88 – Cofins, CSLL e contribuições previdenciárias) e ao meio ambiente (art. 177, §4º, CRFB/88 – CIDE-combustível).

Nesse ponto, a tensão já explicitada entre a liberdade orçamentária gozada pelos governantes eleitos e a garantia financeira dos direitos fundamentais sociais torna-se objeto de preocupação institucional e acadêmica. Isso porque é possível conceber o orçamento mínimo social na qualidade de limitação material do Poder Constituinte Reformador.

Em síntese, verifica-se que essa categoria é uma cláusula pétrea ou, pelo menos, compõe o núcleo de intangibilidade da ordem constitucional, em consonância ao inciso IV do §4º do art. 60 da Constituição da República. Isso significa que essa garantia ultrapassa o discurso retórico de planos estatais, pois a prática de flexibilização orçamentária encontra nela claro limite jurídico. Igualmente, o Poder Constituinte autocontém-se, ao tomar de forma potencialmente irreversível – sem ruptura constitucional – decisão política de alocação permanente de recursos a uma determinada despesa pública. De acordo com Scaff, “[e]nfatiza-se, dessa forma, o caráter de cláusula pétrea constitucional das normas que estabelecem o vínculo orçamentário para o custeio dos direitos fundamentais sociais para saúde, educação e redução da pobreza.”

Por conseguinte, o objetivo estatal referente à liberdade do legislador orçamentário decorrente da regra da não afetação das receitas oriundas dos impostos encontra relativização no âmbito das vinculações orçamentárias, notadamente aquelas voltadas a garantir financeiramente a efetividade dos direitos fundamentais de conotação social-coletiva.

EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE E FINANCIAMENTO DE DIREITOS SOCIAIS NO CONTEXTO DE CRISE SANITÁRIA

Diante a emergência de uma crise sanitária de escopo pandêmico relacionado às dificuldades impostas pelo Covid-19, não é difícil constatar que a humanidade e o povo brasileiro vivem em uma quadra histórica desafiadora, que será caracterizada por incontáveis perdas individuais e coletivas. Nesse cenário crítico, tornam-se mais prementes os desafios relacionados ao desenvolvimento socioeconômico de um país com características continentais, demandas populares de modernidade tardia e escassa tradição em solver conflitos sociais em ambiência não autoritária.

A despeito disso, o complexo equacionamento desses atributos foi enfrentado em processo constituinte cuja resultante é uma Constituição promulgada por uma Assembleia Nacional Constituinte democraticamente eleita e que postula representar o Povo. Ou seja, são em momentos de crise que o pacto constitucional é mais necessário como guia dos nossos valores e fins jurídico-políticos. Nesse sentido, torna-se imperativo aos juristas pensar em formulações e arranjos sociais alternativos em prol de maior isonomia entre os cidadãos e de um bem-estar fraternalmente considerado, a partir da lógica de direitos e respectivos custos.

Diante das indagações acerca das condições de possibilidade e limites para a efetividade do princípio constitucional da fraternidade no escopo de fruição empírica de direitos fundamentais de índole social pela parcela da população mais carente de assistência estatal, as diretrizes decorrentes do imaginário fraterno fornecem saídas para se pensar a emergência.

Por se tratar de componente indispensável no método e conteúdo do campo político, a fraternidade requer a viabilização da democracia constitucional pela equalização do binômio paridade-diferença relativo ao corpo cívico.

Por isso, as soluções e os sacrifícios necessários para o enfrentamento da crise sanitária e os impactos desta na economia nacional devem levar em consideração o ideal fraterno no processo de tomadas de decisões.

Sendo assim, a urgência e a complexidade dos desafios decorrentes de calamidade pública não justificam sacrifícios desproporcionais da participação política dos cidadãos na formação das escolhas públicas do Estado, a título de garantir maior eficiência ou resolutividade tendente a um paradigma tecnocrático, sob pena de não se atingir o grau de legitimidade esperado dos atos públicos em um Estado Constitucional. Em suma, a transparência e a publicidade das situações sanitária e fiscal enfrentadas são fundamentais para levar informação ao Povo e auxiliá-lo na coautoria, aceitação e cumprimento das medidas estatais.

Além disso, a fraternidade exige que os agentes políticos, que deverão realizar uma série de escolhas trágicas relativas a recursos públicos, tenham em mente as iniquidades do sistema social brasileiro ainda não resolvidas pela atividade financeira do Estado, como a regressividade da matriz tributária focada no consumo e a transferência de renda desde os contribuintes em direção aos detentores de títulos públicos ocasionada pelo acréscimo do endividamento público. Com esteio nas desigualdades sociais e regionais historicamente presentes no país, as categorias de capacidades contributiva e receptivas dos cidadãos são imprescindíveis nesse momento de crise, principalmente nas escolhas de prioridades alocativas de programas e recursos.

Por outro lado, o princípio jurídico da fraternidade propõe um olhar prioritário à promoção da dignidade da pessoa humana em suas vertentes individual, social e ambiental, realizando-se as funções do Estado Fiscal. No afã de transformarem-se as deficiências da estrutura social pelas categorias e instituições do constitucionalismo fraternal, as normas decorrentes desse imaginário implicam em vedações e limites materiais à ação governamental e à autodeterminação coletiva.

No campo do financiamento dos direitos fundamentais de índole social, isso significa que as escolhas públicas relacionadas aos sacrifícios coletivos inerentes à crise sanitária não podem esvaziar o conteúdo garantista do orçamento mínimo social.

Por essa razão, é uma das prioridades constitucionais dos governantes manter a fruição de um patamar mínimo de segurança social aos hipossuficientes do ponto de vista econômico, à luz de programas e políticas públicas de caráter social e fiscal-financeiro pensados para amenizar os efeitos de calamidade pública urgente e imprevisível. Nessa linha, compete ao Poder Judiciário e aos demais órgãos reputados essenciais para o sistema de Justiça fiscalizar de forma colaborativa as reações das autoridades à crise, sob o fundamento de zelar pela efetividade dos direitos fundamentais e de manter hígida a organização política do Estado.

Em suma, as balizas políticas e jurídicas decorrentes fraternidade devem ser observadas na problemática de manutenção e promoção dos direitos fundamentais, notadamente no que se refere a um orçamento mínimo social, em realidade sócio-política desfavorável e pandêmica atualmente vivenciada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este contributo acadêmico versou sobre as potenciais influências do princípio da fraternidade na ambiência de crise sanitária relacionado à pandemia do Covid-19, sobretudo a partir de preocupação dirigida ao financiamento de direitos sociais, constitucionalmente previstos, garantidos e promovidos à parcela da população mais vulnerável sob as perspectivas econômica e da saúde pública.

Por conta desse objetivo, perquiriu-se a ideia de fraternidade em suas dimensões política e jurídica, haja vista a utilidade do conceito em tempos de dificuldade generalizada a toda humanidade, tendo em conta que a origem daquele remonta a uma ligação universal entre seres igualmente dignos a qual tem por resultado um complexo sistema de solidariedade social e cuidado aos mais necessitados, à luz de uma ética pública.

Em seguida, abordou-se a tensão entre o ideal de liberdade no orçamento público apto a permitir condições de ação aos governantes eleitos pelos ritos da democracia constitucional e a formulação pelo constitucionalismo brasileiro de

garantias ao financiamento de direitos sociais, por intermédio de vinculações orçamentárias em nível constitucional. Conclui-se, a propósito, pela qualidade de limitação material do Poder Constituinte Reformador representada pela instituição jurídica do Orçamento Mínimo Social.

Em síntese, com atenção ao equacionamento da liberdade orçamentária dos representantes eleitos que necessitam de recursos públicos para debelar a crise sanitária e seus consectários econômicos e das vinculações normativas que compõem o orçamento mínimo social na condição de conquista civilizatória do Estado e do Povo brasileiro, demonstrou-se nesta investigação que os caminhos apontados pela fraternidade na qualidade de categoria jurídico-política são essenciais e produtivos para o presente momento de calamidade pública.

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